Polícia conclui que não houve estupro coletivo em boate na Lapa, mas indicia um suspeito por abuso sexual de turista

Por redação com O Globo 12/04/2024 21h09
Por redação com O Globo 12/04/2024 21h09
Polícia conclui que não houve estupro coletivo em boate na Lapa, mas indicia um suspeito por abuso sexual de turista
Boate Portal Club, na Lapa, é interditada pela Secretaria de Ordem Pública (Seop) - Foto: Divulgação

A Polícia Civil concluiu que a turista sul-americana, de 25 anos, não foi vítima de estupro coletivo. A jovem em uma boate na Lapa. A investigação foi encerrada após 11 dias, em que testemunhas foram ouvidas e imagens e laudos técnicos foram analisados. O exame de corpo de delito confirmou que houve ato libidinoso e que as provas apontaram que houve apenas um autor do crime. A polícia pediu o indiciamento do homem por estupro de vulnerável e solicitou à Justiça a prisão do suspeito. O inquérito segue agora para o Ministério Público.

A jovem denunciou ter sido vítima de um estupro coletivo na boate Portal Club, localizada na Rua do Lavradio, no dia 31 de março. A vítima contou ter sido abusada no “Dark Room” — um quarto escuro no estabelecimento. Em uma carta, ela descreveu o que aconteceu na noite do crime. No relato, ela conta que não sabia o que era o "Dark Room" e achou que estava indo para uma pista de dança. Em tradução literal, Dark Room significa quarto escuro. O espaço é um ambiente instalado em boates ou festas para pessoas que procuram um local discreto para praticar atividades sexuais.

A boate Portal Club chegou a ser interditada pela Secretaria de Ordem Pública (Seop), na semana passada. A medida administrativa, segundo a pasta, foi tomada preventivamente para “preservar a segurança, ordem pública e para que o local permaneça fechado até o encerramento das investigações” da polícia.

Denúncia do crime

Após o crime, a jovem escreveu uma carta sobre o que aconteceu naquela noite. No relato, ela conta que não sabia o que era o “Dark Room” e achou que estava indo para uma pista de dança. Em tradução literal, Dark Room significa quarto escuro. O espaço é um ambiente instalado em boates ou festas para pessoas que procuram um local discreto para praticar atividades sexuais.

“Aconteceu o que foi reportado, que eu realmente não consigo nem repetir. Não sei como deixei aquele quarto escuro. Quando recuperei um pouco a consciência, estava sentada em uma cadeira na boate chorando e gritando com minha amiga de um lado e uma segurança do outro”, escreveu ela.

A jovem conta que, quando se deu conta do que aconteceu, tentou explicar aos seguranças, mas teve dificuldades por não saber falar português. “Fiquei muito chocada naquele momento, eu estava gritando e chorava tanto que nem conseguia respirar”, conta ela.

O GLOBO teve acesso a vídeos do interior da boate, que mostram a vítima conversando com seguranças e a gerente da boate após a jovem denunciar o estupro coletivo e, depois, deixando a Portal Club acompanhada dos seguranças da casa noturna e de duas amigas.

Só depois que uma pessoa chegou e começou a traduzir, ela conseguiu se comunicar com os seguranças. “Pedi que me mostrassem as câmeras para entender o que havia acontecido, e o segurança disse que só poderiam fazer isso com autorização da polícia. Comecei a entrar em pânico novamente porque eles realmente não estavam me dando nenhuma solução”, escreve ela.

Em razão de ter perdido a consciência algumas vezes, ela relata não saber precisar quantas pessoas estavam envolvidas, mas desconfia serem amigos do rapaz que ela conheceu no local.

“O segurança disse que me viu entrando naquele quarto escuro com um homem por minha própria vontade. Eu disse a ele que realmente não sabia o que estava acontecendo porque isso realmente não existe no meu país. Pensei que era outra pista de dança. Ele fez um gesto como se não pudesse fazer nada com isso. Comecei a me desesperar novamente. Se a segurança do local não conseguia me ajudar e entender o que estava acontecendo, como a polícia iria fazer?”, diz ela em outro trecho da carta.

No relato, ela diz que a amiga decide chamar a polícia, mas os funcionários dizem que não é necessário, já que tem uma delegacia na rua e que os seguranças acompanhariam as duas até o local.

“Durante todo o caminho, não consegui parar de gritar e chorar. O segurança me disse que eu tinha que me acalmar porque não poderia ir até a delegacia daquele jeito. Eu não consegui me acalmar.[...] Percebi os riscos das relações sexuais, não sabia se haviam usado camisinha ou não. Comecei a entrar em pânico de novo, não conseguia respirar”, escreve ela.

Com o desespero, elas desistem do registro e vão direto para o hospital.

“Aquele momento foi realmente horrível. Todo o processo como vítima. Lembro quando estavam me dando todos os remédios. Estou vivendo esse horror, e eles estão em casa dormindo”.

Na carta, ela agradece o tratamento da equipe do hospital e diz que foi tratada da melhor maneira possível.

“Estou de volta em casa e só quero descansar e esquecer. Acordar e pensar que toda minha viagem pelo Brasil foi um pesadelo, que isso não aconteceu e voltar à minha vida normal. Não sei se haverá justiça ou não, mas já disse tudo o que tinha a dizer e fiz tudo o que tinha que fazer. Espero que a minha história ajude outras mulheres que passaram pela mesma coisa a serem encorajadas a falar, que saibam que não estão sozinhas. Quando realmente consegui explicar o que aconteceu comigo, foi uma equipe muito grande de mulheres que me acolheu em todos os lugares onde passei meu tempo pelo Brasil, sem dúvida eu não teria conseguido isso sem elas”, escreve ela.

A vítima acionou a Comissão da Mulher da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) na terça-feira e em seguida fez o registro de ocorrência na Delegacia de Atendimento à Mulher (Deam) do Centro do Rio. Nos primeiros relatos, ela contou que desconfia que alguém possa ter adulterado sua bebida.

Segundo a Delegacia de Atendimento à Mulher (Deam) do Centro, a perícia foi realizada no local e os agentes analisam imagens de câmeras de segurança. Testemunhas estão sendo ouvidas e demais diligências estão em andamento para esclarecer o caso.

Outra vítima

Após a repercussão do caso da turista, outra mulher procurou a Comissão da Mulher da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) para denunciar um estupro coletivo na mesma boate, em novembro do ano passado. Segundo a deputada Renata Souza (Psol), a vítima a procurou diretamente pelas redes sociais.

— É uma situação muito semelhante. Ela conta que foi para a boate assistir ao show de um amigo e começou a passar mal repentinamente. Ela disse que a essa é última coisa que se lembra. Depois, ela acordou no Dark Room, despida e com dois homens, também despidos. Ela se desesperou na hora sem entender o que aconteceu — conta Renata.

De acordo com Renata, a mulher percebeu que fora estuprada após ir ao banheiro e que a todo momento os seguranças a fizeram crer que ela entrou no quarto escuro por livre vontade.

Boate não tem autorização dos Bombeiros para funcionar

O Corpo de Bombeiros informou que a boate Portal Club funciona irregularmente, uma vez que não tem o alvará de Certificado de Vistoria Anual (CVA) — que garante a segurança contra incêndio e pânico. Por essa razão, o espaço será vistoriado e poderá ser fechado. Pessoas que frequentam a região contam o local fica lotado aos finais de semana e que a maioria do público é de jovens, com idades entre 19 e 27 anos.

O estabelecimento é localizado na Rua do Lavradio, na Lapa, uma das mais movimentadas da região. Ao lado funciona também a Delegacia da Criança e do Adolescente Vítima (DCAV), Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi), além da subsecretária de Inteligência da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro. A cerca de 600 metros funciona também a Delegacia de Atendimento à Mulher (DEAM), que investiga o caso.

Em nota divulgada nas redes sociais, a Portal Club disse que está comprometido com a investigação e que deseja que os responsáveis sejam “devidamente punidos”. Veja na íntegra:

Diante dos graves acontecimentos relatados, a casa deseja deixar claro publicamente que repudia veementemente e nunca irá apoiar qualquer forma de intolerância, opressão ou violência contra as mulheres.

Assim que tomamos conhecimento do incidente, a casa prontamente acolheu a vítima e se colocou à disposição das autoridades para que os fatos sejam imediatamente investigados e esclarecidos. Além disso, fornecemos as imagens e áudio do circuito de segurança aos responsáveis pela investigação, onde será provado todo o apoio que prestamos à vítima, juntamente com os dados dos clientes presentes no dia, que tenham colocado o nome na lista ou comprado ingresso antecipadamente.

Estamos comprometidos com a busca pela verdade e desejamos que os responsáveis sejam devidamente punidos.

Como uma casa LGBTQIA+, estamos e estaremos sempre empenhados em lutar pelos direitos das minorias e das mulheres. Estamos e sempre estaremos aqui para oferecer todo o apoio e colaboração possível.