Laudo da reprodução simulada do caso Marcelo Leite aponta conformidades nos depoimentos de PMs

Advogado do empresário ressalta que a perícia baseia-se no depoimento dos policiais

Por redação com assessoria 04/02/2023 11h11 - Atualizado em 04/02/2023 14h02
Por redação com assessoria 04/02/2023 11h11 Atualizado em 04/02/2023 14h02
Laudo da reprodução simulada do caso Marcelo Leite aponta conformidades nos depoimentos de PMs
Reprodução simulada do caso Marcelo Leite - Foto: Reprodução

O resultado da reprodução simulada do caso Marcelo Leite, divulgado pela Polícia Científica de Alagoas na noite desta sexta-feira (3) não apontou contradições entre os depoimentos dos policiais militares das guarnições do Pelopes do 3º BPM e o que foi realizado na reprodução. O laudo apontou consistência entre nas versões apresentadas pelos PMs.

Um dos principais fatos que foi analisado durante a reprodução e apresentada pelos militares durante os depoimentos era a possibilidade do empresário Marcelo Leite ter apontado uma arma de fogo em direção as guarnições.

Durante a simulação, que analisou as condições de luminosidade da via e o campo visual dos policiais com relação ao carro do empresário, um Hyundai Creta de cor preta, os peritos concluíram que era possível que houvesse alguma arma de fogo dentro do veículo, uma vez que "se uma arma de fogo é menor que um carro e este último possui espaços vazios maiores que uma arma de fogo, então é possível um conter o outro por uma lógica necessária".

O documento relata que, “Durante os trabalhos, foi formulada a seguinte pergunta: “Pode existir veracidade nas declarações do policial de que uma arma de fogo foi encontrada dentro do veículo?”. Resposta: a perícia técnica se limita a operar entidades do mundo natural, dentro de uma lógica do necessário (ontologia – ciência do ser). Logo, se uma arma de fogo é menor que um carro e este último possui espaços vazios maiores que uma arma de fogo, então é possível um conter o outro por uma lógica necessária. Por outras palavras, é possível haver uma arma de fogo dentro de um veículo automotor. No entanto, avaliar se uma declaração é falsa ou verdadeira invade outro ramo do conhecimento em que a perícia não atua (deontologia – ciência do dever ser).”, destacou um dos trechos do laudo.

Ao analisar a informação, os advogados da família de Marcelo Leite ressaltaram que o fato da perícia informar que no veículo havia espaço para uma arma de de fogo, não configura de fato que ele estaria portando uma arma. 

"Neste sentido, o laudo fala em possibilidade física de visualização, segundo os depoimentos dos próprios militares envolvidos no homicídio, especialmente de um deles. Assim, caso a vítima estivesse portando uma pedra, um tijolo, um livro ou qualquer objeto nas mesmas circunstâncias indicadas pelos agentes, o laudo também apontaria pela capacidade de visualização", diz um trecho da nota da família.

Os advogados ainda apontaram que "a reprodução simulada dos fatos é um tipo de perícia, cuja base são as versões apresentadas pelas pessoas ouvidas no inquérito policial". (Veja a nota completa no fim da matéria)

Veja, abaixo, todos os pontos levantados pela Polícia Científica durante a reprodução simulada e as respostas para cada um deles:

Pergunta:
Como se deu o encontro entre o comandante de uma das guarnições e Marcelo na conveniência de um posto de combustível?

Resposta:

“A narrativa do interrogatório, no trecho que se questiona, é a seguinte: “…o interrogado se dirigiu a loja de conveniência a fim de comprar um lanche. QUE não se recorda, enquanto comprova (comprava) o lanche, de ter visto a pessoa de Marcelo. Que não se recorda de ter visto um veículo Creta no posto de combustível. Que se recorda de ter que esperar na fila para promover o pagamento do lanche, mas não verificou se tratar de Marcelo, uma vez que a situação não chamou atenção. Que não se recorda o que o indivíduo a sua frente estava comprando. Que promoveu o pagamento do lanche e retornou para VTR. Confrontando-se com as imagens dos vídeos, a narrativa encontra compatibilidade no que tange o interrogado entrar na loja de conveniência do posto, escolher um produto para comprar, aguardar o cliente que já está sendo atendido, pagar o produto e sair da loja.”

Pergunta:

Pelas condições de luminosidade e uso de película no veículo CRETA, era possível ver se MARCELO portava ou apontou alguma arma de fogo para os policiais durante a abordagem?

Resposta:

Era possível a visualização do motorista, inclusive se estivesse portando algum objeto nas mãos, conforme é ilustrado nas fotos 03 e 04.

Perguntas:
As transcrições abaixo foram extraídas do depoimento de um dos militares e ilustradas nas fotos 10, 11 e 12 do item 6.4
3.1. Qual o momento do encontro da arma de fogo por um dos policiais?
3.2. Quando foi apresentada aos demais integrantes?
3.3. O que fez com ela após encontrá-la?

Respostas:

3.1. Quando “(…) o comandante tentou fazer os primeiros atendimentos hospitalares, e que o interrogado fazia a busca veicular preliminar. QUE (o) interrogado verificou o carro com uma lanterna, e gritou o código 248 (arma).” Durante os trabalhos de reprodução simulada o entrevistado disse que encontrou a arma no assoalho defronte ao banco do motorista.
3.2. Quando “(…) gritou o código 248 (arma), mostrando a mesma para os outros envolvidos na ocorrência”. Durante os trabalhos de reprodução simulada o entrevistado disse que usou voz em tom moderado, de conversação próxima, para informar o código 248 aos demais integrantes (alínea “c”, do item 6.4);
(alínea “c”, do item 6.4)

o entrevistado informou que teve acesso à porta dianteira do lado esquerdo do veículo Creta, iluminou o assoalho defronte ao banco do motorista e visualizou uma arma de fogo (foto 12). Em seguida anunciou o código “248” para os demais integrantes das guarnições (Pelopes 01 e 02) e exibiu a arma para quem estava próximo, não lembrando quem estava perto de si neste momento. Informou que falou o código com voz em tom moderado, de conversação próxima aos demais integrantes.
3.3.“(…) deixou a arma sobre o banco do motorista (…)”.

Perguntas:
4.1. Durante a abordagem, onde estavam as testemunhas?4.2. Durante o atendimento de emergência à vítima, onde estavam as testemunhas?
Respostas:

4.1. Dentro do 3º BPM, próximo a um veículo estacionado no pátio onde se abrigaram quando ouviram os disparos de arma de fogo (fotos 13 e 14).4.2. Fora do 3º BPM, no acesso do 3º BPM, próximo ao portão de entrada (fotos 13 e 14).

Perguntas:
5.1. Daria para as testemunhas observar ou ouvir se algum militar encontrasse uma arma de fogo?
5.2. Daria para as testemunhas observar ou ouvir quando ela fosse apresentada aos demais militares?
5.3. Daria para as testemunhas ouvir algum militar gritar o código “248”?
Respostas:

5.1. As quatro testemunhas, em seus depoimentos, afirmam que: “não visualizou nenhuma arma de fogo com o homem que estava no chão” (1); “não chegou a visualizar nenhuma arma de fogo” (2); “não chegou a ver nenhuma arma de fogo com o rapaz” (3); e, “não chegou a ver nenhuma arma de fogo com o rapaz que foi socorrido” (4). Considerando que o PM visualizou a arma no assoalho defronte ao banco do motorista (vide resposta 3.1), anunciou o encontro da arma com voz em tom moderado (vide resposta 3.2) e a deixou sobre o banco do motorista (vide resposta 3.3), então é compatível os depoimentos com a impossibilidade de se ver e ouvir a respeito de uma arma de fogo que sempre esteve dentro do veículo durante a abordagem e socorro da vítima.
5.2.Esta dúvida também é contemplada pela resposta anterior (fazendo parte da mesma pergunta original).
5.3. Conforme experimentação efetuada durante os trabalhos, não foi possível ouvir a verbalização do código 248, uma vez que teria havido uso de voz em tom moderado de conversa próxima a interlocutor (observação do item 6.4).

Observações

A) Para testar a percepção do anúncio verbal do código 248 pelas testemunhas 1 e 2, o primeiro signatário deste laudo tomou o lugar do entrevistado PM e solicitou que parte da equipe de trabalho, e vários dos presentes aos trabalhos, se posicionassem na posição 2 (vide fotos 13 e 14), onde as testemunhas informaram estar após a abordagem do veículo Creta e durante o socorro do motorista suspeito. Diversas frases foram verbalizadas. Primeiramente em tom moderado de conversa próxima ao interlocutor. Depois com mais vigor, podendo alcançar meia distância até a posição 2 (um perito se situou nesta posição). Finalmente, com tom forte, acima da média e com o rosto voltado para a posição 2, as frases puderam ser compreendidas para quem estava nesta posição mais distante;

B) A experiência foi exclusivamente empírica, compartilhada e experimentada pelos presentes (peritos, policiais, delegados e advogados que também se situavam na posição 2) e alertada da necessidade de instrumentação para quantificação exata dos resultados, no entanto, foi possível estabelecer, na prática, a impossibilidade de se ouvir a verbalização do código em tom moderado de conversa próxima a interlocutores se o ouvinte estiver na posição 2 (distância de cerca de cinquenta metros, em ambiente noturno com trânsito suspenso e as duas viaturas militares com os motores ligados).

Pergunta:

Confrontar depoimentos e interrogatórios das testemunhas e militares a respeito da velocidade do veículo CRETA antes da abordagem.
Resposta:

Os militares, em seus interrogatórios, utilizam a expressão “alta rotação” quando se referem à velocidade de trânsito do veículo Creta. Já a testemunha 2 utiliza as expressões “encontrava-se aparentemente em velocidade compatível com a via” e “… passando pelo quebra mola em velocidade um pouco acima do normal”.
Pergunta:

Demais dúvidas consideradas importantes pelos peritos.
Resposta:

Os peritos consideram que esgotaram as perguntas formuladas no ofício.
A reconstituição do fato foi solicitada pela Perícia Oficial para dirimir algumas dúvidas existentes com relação aos depoimentos dos policiais militares e os fatos ocorridos na madrugada do dia 14 de novembro em um trecho da AL-220, em Arapiraca, próximo ao 3º BPM.

Nota da defesa da família de Marcelo Barbosa

A reprodução simulada dos fatos é um tipo de perícia, cuja base são as versões apresentadas pelas pessoas ouvidas no inquérito policial.
A perícia destacou que - na versão dos policiais indiciados – havia possibilidade a visualização de arma de fogo pelo passageiro do banco da frente da viatura, levando-se em conta as condições físicas de luminosidade e proximidade entre os veículos apresentadas pelos próprios militares, caso a vítima a estivesse segurando em uma das mãos.
O termo “possibilidade” é conceituado como característica do que é possível, do que pode acontecer. Chance, probabilidade. Neste sentido, o laudo fala em possibilidade física de visualização, segundo os depoimentos dos próprios militares envolvidos no homicídio, especialmente de um deles. Assim, caso a vítima estivesse portando uma pedra, um tijolo, um livro ou qualquer objeto nas mesmas circunstâncias indicadas pelos agentes, o laudo também apontaria pela capacidade de visualização.
Marcelo Barbosa nunca teve arma.
A verdade é que um disparo de fuzil foi deflagrado pelas costas e nas costas da vítima quando seu veículo Creta já havia ultrapassado a mencionada viatura policial, conforme resta claro nos vídeos divulgados pela imprensa. Não houve chance de defesa. Mais 8 disparos foram realizados. Após, um revólver velho e enferrujado foi implantado, visando a justificativa de que os tiros foram deflagrados em legítima defesa. Por fim, houve intencional modificação da cena do crime, com o fim de não deixar provas da ação desastrosa e excessiva. Cada comportamento deste corresponde a um crime diferente.
A família e a defesa têm total confiança no trabalho da Polícia Civil e nas instituições públicas, cujos suspeitos serão responsabilizados pela infeliz morte de Marcelo.


A nota é assinada pelos advogados: Leonardo de Moraes, Adilson Melro, Victor Oliveira, Juliano Pessoa, Fernando Valeriano, Karoline Santa Rita, Alexandre Nascimento, Thaís Cardoso, Nilson Macário e Luiz Matheus Marques