Polêmica: ambientalistas e religiosos travam 'guerra' por causa da Pedra do Itapaúna, no Agreste

Por Redação com Nathália Bezerra 30/03/2017 15h03 - Atualizado em 30/03/2017 18h06
Por Redação com Nathália Bezerra 30/03/2017 15h03 Atualizado em 30/03/2017 18h06
Polêmica: ambientalistas e religiosos travam 'guerra' por causa da Pedra do Itapaúna, no Agreste
Foto: Divulgação
Degradação da parte superior da Pedra, que é considerada patrimônio histórico, é o principal motivo da 'guerra' travada entre ambientalistas e religiosos na cidade de Taquarana, no Agreste alagoano. Há alguns dias, a população taquaranense foi surpreendida com a notícia de que um senhor, vindo de Brasília, havia "ocupado" a Pedra, junto aos seus correligionários, para realizar o que eles denominam de "chamado de Deus", através da construção de um "templo" para "glorificar o seu nome".


Segundo a denúncia, eles alteraram a estrutura natural da paisagem, fazendo construções de "pedras sobre pedras", com utilização de cimento, areia e tinta branca. Para melhor fixar a pedraria, acharam por bem "limpar" a vegetação rasteira, que, para eles, apenas atrapalhava a construção. Ocorre que essa intervenção, segundo a bióloga Bárbara Maria Canuto Amorim, acarretou na degradação da parte superior da Pedra, em aproximadamente 60% da área.

"A poluição visual prejudica as aves que daquele ambiente fazem morada. As pedras pintadas de branco cegam as aves que migram em busca de abrigo para depositarem seus ovos, mas durante seu vôo aquelas pedras fazem com que percam o equilíbrio podendo cair e até morrer. As espécies de líquens que cobrem a pedra estão sofrendo com ação de tinta e fogo. As raras orquídeas, que são plantas inquilinas peculiares estão sofrendo o risco de serem extintas, pois foram arrancadas, queimadas e até jogadas de cima da pedra. As Umburanas, árvores nativas da caatinga, são utilizadas para alimentar uma grande fogueira todas as noites acesa".

"As muretas servem como barreiras aos diversos répteis que ali habitam, como lagartos e serpentes. Os mesmos já não conseguem mais circular normalmente no ambiente".

"Ao tirar a cobertura de vegetação da pedra muitas características se alteram, pois consequentemente o local ficará mais quente e impossibilitará a vida das espécimes que conseguiram permanecer no local. A poluição sonora causa impacto no ciclo reprodutivo de muitos animais".

É indubitável, portanto, que as alterações promovidas por este senhor e sua trupe não se resumem ao direito de manifestação religiosa que eles alegam estar exercendo, mas aponta para um problema muito maior: a degradação do meio ambiente. Ora, não há como negar que houve um prejuízo irremediável no ambiente natural daquele local. Não há como deixar para depois uma intervenção pública que possibilite a imediata interrupção desses danos.

Então, por que tombar?

O tombamento "é um instrumento legal de proteção, que visa a preservação de um determinado bem ou conjunto de bens culturais. É uma das formas possíveis de preservar os bens do nosso patrimônio cultural. […] O Tombamento é a primeira ação a ser tomada para a preservação dos bens culturais, na medida em que impede legalmente a sua destruição. Se um bem, conjunto de bens ou uma cidade é tombada, é porque ao longo de sua formação histórica, foi reunindo uma série de características que o fizeram um exemplar único e notável para a memória de uma região, seu Estado ou para toda a nação brasileira, além dos valores que possui para seus moradores. Quando um bem, conjunto de bens ou uma cidade é tombado pelo poder público, seus bens culturais estão sendo valorizados e reconhecidos, e todos, materiais ou não, devem ser protegidos, conservados e divulgados" (conceito extraído de sítio na internet).

É inegável que a Pedra do Itapaúna é referência na história e na cultura de Taquarana. Trata-se de um bem natural à disposição de qualquer visitante e que possibilita as diversas manifestações artísticas, culturais e religiosas do município. A Itapaúna é palco de cultos, celebrações, apresentações das mais variadas, acampamentos. Não seria ela, pois, claramente, um bem merecedor de tombamento, por sua importância para a própria história de Taquarana?

Segundo o pesquisador Carlos Emanuel Emanuel Varela, "O local sempre foi visitado por diversas 'tribos' – católicos, protestantes, macumbeiros, maconheiros, cachaceiros, ateus, agnósticos, escoteiros, estudantes, princesas (lenda da pedra) e até mesmo por índios, afinal ITAPAUNA em tupi quer dizer Pedra Preta –; e que essas visitas sempre se deram de forma não predatória, sem impactar a biodiversidade no entorno da Pedra".

"O Hino do Santa Cruz Esporte Clube em um de seus versos diz 'Do alto do Itapaúna / Vejo um passado de glória / Nas terras de Taquarana / Cristiano e Santa é vitória'. Há músicas que citam a pedra 'Ir lá no Itapaúna poder te encontrar / Toda bonita vendo o sol clarear / Quero dançar, pular no teu carnaval'."

"A pedra do Itapaúna é contada e recontada em histórias, lendas, contos, que há muito fascina os munícipes taquaranenses".
Não bastasse, a Pedra do Itapaúna foi objeto de pesquisa em um projeto de pesquisa chamado "Mapeamento do Patrimônio Cultural e Histórico de Alagoas", realizado por alunos da UFAL/Arapiraca, tendo como responsável a Professora Juliana Michaello, profissional conceituada na área.

O grupo foi formado pela professora para pesquisas na área de patrimônio cultural e percorreram todo o estado de Alagoas em busca dos principais fatos, monumentos, pessoas ou outros bens importantes, que pudessem representar um patrimônio no âmbito cultural.

O estudo, que teve apoio do CAPES e do IPHAN, foi contemplado em relatório e a Pedra do Itapaúna foi registrada como patrimônio cultural do município de Taquarana/AL.

Legalmente falando, o tombamento encontra respaldo nos Direitos Culturais, que, além de serem direitos humanos previstos expressamente na Declaração Universal de Direitos Humanos (1948), encontram-se devidamente normatizados na Constituição Federal de 1988, cujo art. 216 assim dispõe: "Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: [...] V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico."

E acrescenta em seu § 1º: "O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação".

Pela leitura da legislação, resta cristalina a obrigação do município em promover a proteção dos bens de valor histórico e cultural e das paisagens naturais, assim como impedir a destruição e a descaracterização dos mesmos, além de proporcionar acesso aos meios de cultura.

Ressalte-se que tombamento não tem qualquer relação com propriedade. Tanto faz se o bem é público ou particular para a realização do tombamento: a propriedade não se modificará. Sendo público, segue sendo público; sendo particular, continua como tal. O tombamento implica, tão somente, na obrigação de preservação do bem tombado, tanto pelo proprietário, quanto pelo poder público.

Moradores da cidade e ambientalistas estão realizando um abaixo-assinado, solicitando das autoridades públicas uma posição sobre o fato.