Longe da TV, Tarcísio Meira diz que a morte ‘assusta’ e que ‘artista não se aposenta’

Por Veja 06/12/2019 14h02 - Atualizado em 06/12/2019 17h05
Por Veja 06/12/2019 14h02 Atualizado em 06/12/2019 17h05
Longe da TV, Tarcísio Meira diz que a morte ‘assusta’ e que ‘artista não se aposenta’
Foto: Reprodução/TV Globo
Tarcísio Meira chega de cadeira de rodas ao Teatro Faap, em São Paulo, onde encena O Camareiro, peça do dramaturgo inglês Ronald Harwood. O espetáculo narra a relação entre um ator shakespeariano à beira da morte e seu camareiro. O personagem central ganha brilho na interpretação de Tarcísio, que tem a idade certa para viver o velho ator que vê com pesar a perda de amigos e reflete sobre a morte. Aos 84 anos, o artista paulistano faz parte da história da TV. Contratado pela Globo na década de 60, encarnou como poucos a figura do galã — belo, destemido e bom moço — em novelas como Irmãos Coragem (1970) e Coração Alado (1980). Na entrevista a seguir, Tarcísio fala da perda dos próprios companheiros, conta os segredos do casamento de mais de meio século com a atriz Glória Menezes e lamenta a falta de papéis nas novelas atuais: “Os autores não gostam de velhos”.

O senhor está de volta à ativa com uma peça que encenou pela primeira vez em 2015 — e na qual interpreta um grande ator na velhice, em conversas com seu camareiro. Por que, aos 84 anos, não abre mão de atuar? Artista não se aposenta. Quer trabalhar, enquanto houver trabalho para ele. Isso não tem idade: existe sempre a mesma vontade de fazer as coisas. Eu retomei a peça porque ela é belíssima, e achei uma pena não ter sido vista tanto quanto deveria, pois precisei encerrar a temporada em 2015, por causa de meus compromissos na televisão. Na minha idade, como encontrar outro personagem tão instigante?

No espetáculo, seu personagem é uma pessoa à beira da morte. A possibilidade de morrer o assusta? Sim, ela assusta. Ninguém gosta de pensar que o fim está chegando. Mas ele está chegando para mim. É triste também lidar com a perda dos amigos. Certa vez, fui receber um prêmio de cinema. Dei de cara com o diretor de teatro Antunes Filho. Foi uma alegria, porque fazia anos que não o via. Eu disse: “Antunes, somos sobreviventes”. Pouco tempo depois, o próprio Antunes morreu. A esta altura da vida, muitos colegas da minha idade se foram. Daqui a pouco, vou eu. Talvez eu deixe um vazio nas pessoas.

O senhor sai do seu espetáculo teatral de cadeira de rodas. A saúde ainda preocupa? Chego ao palco de cadeira de rodas também. Tempos atrás, arrebentei o menisco e fui operado três vezes. Sempre me ofereceram colocar uma prótese, e eu recusei. Agora, venho me apresentando num teatro com muitas rampas. Achei mais cômodo usar uma cadeira de rodas. Talvez fosse mais educado atender o público de pé. Mas, me perdoem, estou cansado demais para isso.

Antes de a peça estrear, o senhor estava internado. Foi, rapaz. Fiquei onze dias no hospital com uma pneumonia braba, e tivemos de adiar a estreia em duas semanas. Passei meu último aniversário, em outubro, também internado. Ganhei festinha, bolo, os médicos e os enfermeiros cantaram Parabéns para mim. Nos dois últimos anos, tive duas gripes fortes que atacaram meus pulmões.

Por que é cada vez mais raro ver o senhor e sua mulher, Glória Menezes, nas novelas da Globo? Os autores não acreditam que existam velhos na família brasileira, nem que eles tenham papel relevante. Sabe como é, são jovens autores, que se preocupam com os jovens. O que eles deveriam saber é que hoje são as pessoas de idade que passam mais tempo na frente da televisão assistindo às novelas. E essas pessoas sempre acompanharam minha carreira e a da Glória.