Assembleia Legislativa quer apurar desvios do Fundo Estadual de Combate e Erradicação da Pobreza

Por Redação com Gazetaweb 17/03/2019 11h11 - Atualizado em 17/03/2019 14h02
Por Redação com Gazetaweb 17/03/2019 11h11 Atualizado em 17/03/2019 14h02
Assembleia Legislativa quer apurar desvios do Fundo Estadual de Combate e Erradicação da Pobreza
Seis em cada dez crianças alagoanas vivem na pobreza, aponta Unicef - Foto: José Feitosa/Gazetaweb
Criado com o objetivo de incluir socialmente todos os alagoanos que estão abaixo da linha da pobreza, o Fundo Estadual de Combate e Erradicação da Pobreza (Fecoep) pode ser alvo de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Assembleia Legislativa de Alagoas (ALE).

Denúncias de desvio de finalidade de recursos, falta de repasse de verbas e números que comprovam o aumento da pobreza no estado - o que atestariam a ineficácia do programa - são alguns dos entraves que põem em xeque o Fundo criado pelo governo do Estado em 2004.

Crítico da funcionalidade do Fecoep, o deputado estadual Bruno Toledo (PROS) é um dos que denunciam o que considera desvio de finalidade dos recursos do Fecoep. Ex-integrante do Conselho Integrado de Políticas de Inclusão Social do fundo - órgão responsável por formular as diretrizes dos programas e ações governamentais que visam à redução das desigualdades sociais -, Toledo estuda propor a criação da CPI para investigar a aplicação dos recursos financeiros do Fecoep.

"Sempre me posicionei que o Fecoep é um fundo com destinação específica: erradicar a pobreza", defende o parlamentar, substituído no conselho em 2017, depois de ter votado contra o deslocamento de recursos do Fecoep para a construção do Hospital Metropolitano de Maceió. "Não se pode combater esse ciclo indo nas consequências da pobreza, e sim combatendo as causas", justifica. "Lutei para que o fundo não tivesse sua destinação desviada e o resultado foi a minha exclusão do conselho", lamenta.

Bruno Toledo acredita que sua saída do conselho foi uma retaliação do governador Renan Filho (MDB) - que preside o colegiado - pelo voto contrário. "Após dois anos de trabalho, o governo articulou para a minha substituição como indicado da Assembleia. Não houve nenhuma outra razão, senão política, retaliação", acusa.

Com arrecadação de cerca de R$ 260 milhões em 2018 - segundo os dados do Portal da Transparência do governo do Estado -, o Fecoep se destina exclusivamente a ações suplementares de nutrição, habitação, educação, saúde, saneamento básico, reforço de renda familiar e em outros programas voltados para a melhoria da qualidade de vida.

"[A lei que instituiu o Fecoep] cita ações em saúde, aí ele [o governador Renan Filho] interpreta que pode tudo", critica Toledo. "A lei diz ?ações também em saúde?, mas que efetivamente contribuam com a erradicação da pobreza, não com as suas consequências", defende o parlamentar, para quem o Fecoep deveria agir nas causas.

ORIGEM

Quando foi criado em 2004, o Fecoep previa a cobrança adicional de 1% do Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços (ICMS) apenas para alguns produtos, como bebidas alcoólicas, fogos de artifício, embarcações de esporte e recreio e motores de popa, entre outros.

Em 2016, a Secretaria Estadual da Fazenda (Sefaz) decretou que a cobrança passaria a incidir sobre todos os produtos e serviços tributados pelo ICMS em Alagoas - variando de 1% a 2%. A exceção são produtos da cesta básica e alguns serviços. O decreto foi batizado pelo deputado estadual Bruno Toledo de "Pacote Santoro", em alusão ao titular da Sefaz, George André Palermo Santoro.

A deputada estadual Jó Pereira (MDB) - que integra o conselho do Fecoep - concorda que os recursos do fundo sejam empregados nas causas em vez das consequências, mas não critica o repasse do programa para a construção de hospitais, por exemplo. "Numa cidade como Maceió, cujo único hospital de alta complexidade é o Universitário, o Hospital Metropolitano vai atender a uma população que é desassistida", justifica.

Segundo ela, o Fecoep tem outros gargalos mais preocupantes, como o não acompanhamento da população assistida pelo programa. Geralmente, conta ela, o dinheiro é empregado em programas como o do leite, mas ninguém até hoje fez um estudo para saber quantas pessoas assistidas saíram efetivamente da pobreza.

Plano de Combate e Erradicação da Pobreza emperra no Palácio


Para tentar resolver situações como esta, Jó Pereira chegou a realizar uma audiência pública, na Assembleia Legislativa. A ideia era elaborar o Plano Estadual de Combate e Erradicação da Pobreza no Estado, previsto na lei que criou o Fecoep, mas que nunca havia saído criado.

Ela conta que o documento até foi criado, mas entrou em outro gargalo: até hoje repousa na gaveta do presidente do Conselho, não por coincidência, o governador do Estado. "O Fecoep tem um problema estrutural. Os conselheiros até que tomam decisões, que são submetidas ao governo. Ou seja: dependemos da resposta final do Estado", explica.

Enquanto o governo não dá a resposta, os índices de miséria em Alagoas não param de crescer. Dados da Síntese de Indicadores Sociais (SIS) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgados em dezembro do ano passado revelam que o Estado é o segundo do País com o maior percentual de pessoas em situação de pobreza, com 48,9% da população nessa situação. Somente o Maranhão tem um índice maior (54,1%).

Os indicadores - que tomam como base o ano de 2017 - revelam que houve crescimento de 1,5 ponto percentual em relação anterior, quando Alagoas ocupava o terceiro lugar do País com o maior índice de pobreza.

A situação se complica ainda mais quando a pobreza é entre crianças e adolescentes. Um estudo divulgado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) no ano passado revela que seis em cada dez crianças alagoanas vivem nessa situação. O Unicef considera pobreza não apenas o rendimento da população, mas um conjunto de fatores que abrange a falta de educação, informação, proteção contra o trabalho infantil, moradia, água e saneamento.

"A pobreza na infância e na adolescência tem múltiplas dimensões, que vão além do dinheiro. Ela é o resultado da interrelação entre privações, exclusões e as diferentes vulnerabilidades a que meninas e meninos estão expostos e que impactam seu bem-estar", ressalta o documento.

Em todo o País são 18 milhões de meninas e meninos (34,3%) afetados pela pobreza monetária - com menos de R$ 346,00 per capita por mês na zona urbana e R$ 269,00 na zona rural. Desse total, 6 milhões (11,2%) têm privação apenas de renda. Ou seja: mesmo vivendo na pobreza monetária, têm os seis direitos analisados garantidos. Já os outros 12 milhões (23,1%), além de viverem com renda insuficiente, têm um ou mais direitos negados - estando em privação múltipla.

Para a deputada estadual Jó Pereira, é preciso trabalhar os recursos do Fecoep nesse conjunto de fatores. "Não adianta assistir à população em um ponto e deixar os outros esquecidos", ressalta.

Durante mais de uma semana, a Gazetaweb tentou falar com representantes do governo de Alagoas sobre o uso do Fecoep, mas não obteve resposta de nenhum deles até o fechamento desta edição. É como se as respostas insistissem em repousar esquecidas na gaveta, junto ao Plano de Combate e Erradicação da Pobreza.