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SEGURANÇA PÚBLICA: UM DIREITO HUMANO ESQUECIDO?

28/04/2025 09h09 - Atualizado em 28/04/2025 10h10
28/04/2025 09h09 Atualizado em 28/04/2025 10h10
SEGURANÇA PÚBLICA: UM DIREITO HUMANO ESQUECIDO?
Soldados em operação - Foto: Freepik.com

Bom dia, pessoal!
Depois de muito tempo, voltamos a escrever por aqui. Antes tarde do nunca, certo?

Então, vamos ao tema de hoje!

Há certas notícias que nos causa grande impacto e indignação. Vejam algumas dessas e quero compartilhar uma reflexão com vocês.

NOTÍCIA 1
“Homem baleado na frente da filha de 7 anos é transferido de hospital no interior de AL para Maceió”. “Segundo a Polícia Civil, o mandante contratou os adolescentes por mil reais para matar a vítima por causa de uma dívida que ele tinha no valor de R$ 4 mil”
. (https://g1.globo.com/al/alagoas/noticia/2024/03/08/homem-baleado-na-frente-da-filha-de-7-anos-e-transferido-de-hospital-no-interior-de-al-para-maceio.ghtml).

NOTÍCIA 2
“Sequestrador da rodoviária foi condenado por assaltar um ônibus no Túnel Rebouças, em 2019; atualmente estava no semiaberto. Paulo Sergio foi condenado a nove anos e quatro meses de prisão pelo roubo, mas em 2022 já estava na rua”
(https://oglobo.globo.com/rio/noticia/2024/03/12/sequestrador-da-rodoviaria-foi-condenado-por-assaltar-um-onibus-no-tunel-reboucas-em-2019-atualmente-estava-no-semiaberto.ghtml)

Diante desses fatos lamentáveis - que, infelizmente, ao invés de exceção, constituem a regra no cotidiano brasileiro – faz-se necessária uma reflexão séria acerca do nosso direito humano fundamental à segurança.

Sigamos.

Fala-se tanto em Direitos Humanos, mas pouco se fala que segurança pública é DIREITO FUNDAMENTAL e também DIREITO HUMANO, conforme passa-se a demonstrar.

Em verdade, há uma diferença técnica entre esses dois termos, razão pela qual se classifica a segurança pública nessas duas relevantes categorias: direito fundamental e direito humano.

Inicialmente, cumpre destacar que a segurança pessoal é elemento inerente à própria história humana. Em um primeiro momento, inexistente qualquer mecanismo estatal formal de controle, a vingança privada era o instrumento manejado para a defesa do indivíduo em face da violação perpetrada por terceiros. Posteriormente, o Estado assumiu a vingança pública, trazendo para si o dever de exercer o jus puniendi (direito de punir) em face das condutas desviantes.

O ordenamento jurídico prevê expressamente o direito à segurança pessoal em diversos diplomas, erigindo-o às categorias superiores como direito humano e direito fundamental.

Segurança pública como direito fundamental

No âmbito jurídico interno, o direito à segurança encontra guarida encartado com status de direito fundamental no pilar central do ordenamento jurídico pátrio: a Constituição Federal de 1988. Confiram-se os dispositivos:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
(grifo nosso)

Como se nota, o direito à segurança, na Constituição Cidadã de 1988, materializa-se com caráter dúplice, como se tivesse dupla face: liberdade negativa (art. 5º) e direito prestacional (art. 6º). A Carta Magna não se contenta enxergar apenas pelo viés de assegurar que o individuo não seja molestado pelo estado (viés de natureza negativa – art. 5º), mas também e principalmente pela perspectiva de direito social, cuja obrigação é de garantir a segurança dos cidadãos da violação de outros indivíduos (viés de natureza positiva – art. 6º).

Em matéria de direitos humanos, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (DDHC) de 1789 é considerada o mais importante documento, em vista de seu reflexo internacional e do contexto histórico em que inserida – ruptura com o Absolutismo, positivando-se direitos humanos inalienáveis e oponíveis erga omnes. Assim, a observância das suas disposições por parte de todos é de suma importância para a preservação dos direitos mais caros da pessoa humana, não se podendo desmerecer quaisquer dos seus dispositivos.

Nesse sentido, Leila Machado Costa (Segurança Pública: Direito Fundamental Social, Política Pública ou ainda um Novo Paradigma?): 

Nesse contexto, a CF de 1988, diferentemente de todas as outras constituições, reconheceu o direito à segurança numa dupla concepção: no artigo 5º, como direito individual civil (liberdades); e no artigo 6º, como direito social (poderes). Aliás, pela primeira vez, o direito à segurança foi elevado a essa última dimensão pelo legislador constituinte brasileiro.

Dessarte, resta indubitável que a segurança pública constitui inegociável e indisponível direito fundamental, dando-lhe a Constituição o devido tratamento, impondo ao Estado não somente seu viés negativo, mas também uma perspectiva prestacional, ensejando o dever de assegurá-la.

Segurança pública como direito humano no contexto internacional

Além da previsão constitucional, a segurança encontra expressa previsão como direito natural e imprescritível do homem no art. 2º da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão (DDHC), confira-se: 

“O fim de toda a associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses Direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão” (grifo nosso).

Destacando que não se trata de mera menção genérica, o art. 8º desse Diploma internacional assim define o direito à segurança: 

“Artigo 8º- A segurança consiste na proteção acordada pela sociedade a cada um de seus membros para a conservação de sua pessoa, de seus direitos e de suas propriedades”.

Portanto, quando se fala em segurança, não se está a falar de um direito qualquer. Ao contrário, trata-se de direito alçado à condição de direito humano natural e imprescritível da pessoa humana.

Ademais, o pacto social da sociedade política tem por principal motivação justamente a busca da segurança, de modo que esta é dever inerente ao Estado, pois é responsabilidade dos governos a proteção dos indivíduos.

Há mais. Ainda no plano internacional, são diversos os diplomas que trazem em seu bojo o direito a segurança pessoal. Cite-se o reconhecimento formal do direito à segurança na Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) de 1948 (artigo III): 

“Art. III - Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal (Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948)” (grifo nosso).

No Pacto Internacional sobre direitos civis e políticos de 1966 (artigo 9º), houve importantes avanços, como a criação de mecanismos de proteção da pessoa individualmente e a expressa imposição ao Estado de responsabilidade de sua garantia. Confira-se:


Art. 9º - 1. Toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoais. Ninguém poderá ser preso ou encarcerado arbitrariamente. Ninguém poderá ser privado de sua liberdade, salvo pelos motivos previstos em lei e em conformidade com os procedimentos [...]. (grifo nosso)

No Pacto de San José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos), a previsão também é expressa, no sentido de que:

“Toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoais” (Artigo 7). (grifo nosso)

A Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, de 4 de abril de 1950 assim gizou: 

“Art. 5º, 1 – “Toda a pessoa tem direito à liberdade e segurança [...]”. (grifo nosso)

Por fim, a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (Carta de Banjul), aprovada pela Conferência Ministerial da Organização da Unidade Africana em Banjul, Gâmbia, e adotada pela XVII Assembleia dos Chefes de Estado e Governo da organização da Unidade Africana em Nairóbi, Quênia, em 27 de julho de 1981, também previu expressamente que:

“Art. 6º: “Todo indivíduo tem direitos à liberdade e segurança da sua pessoa [...]”. (grifo nosso)

Ora, como se pode perceber, o direito à liberdade anda pari passu com o direito à segurança.

Não existe liberdade sem segurança. Como você pode ser livre se não pode sair de casa, com medo de assaltantes e latrocidas? Se você não pode freqüentar todos os espaços públicos da comunidade, você não é livre. Se as casas estão repletas de muros, grades e ofendículos, revela-se que o medo reside nesse local. Então, sendo obrigado a recolher-se para não ser mais uma vítima, restringiu-se a liberdade.

Mas tal situação não pode ser admitida, normalizada ou banalizada.

O Estado deve fazer cumprir o que diz a Constituição, quando estabelece a segurança como direito individual e prestacional da pessoa humana.

Também possível uma análise na perspectiva da convencionalidade, porquanto a segurança é direito humano previsto em inúmeros tratados de direitos humanos. Nessa ótica, também resulta inescapável o dever do Estado de garantir a segurança pessoal de todos nós.

Por fim, tem-se que o direito à segurança pessoal não pode ser ignorado pelo Estado como tem sido. O cidadão não pode ser lançado à própria sorte na cova dos leões. Trata-se de um dos direitos mais caros à coletividade, tanto que encontra guarida jurídica nos mais importantes diplomas normativos nacionais e internacionais. 

Assim, os leões que ameaçam a convivência da comunidade deveriam estar bem presos e neutralizados, não assustando e violentando a todos.