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QUEM TEM DIREITO A POSSE OU PORTE DE ARMAS DE FOGO NO BRASIL?

Por Cledson José da Silva 30/03/2023 12h12
Por Cledson José da Silva 30/03/2023 12h12
QUEM TEM DIREITO A POSSE OU PORTE DE ARMAS DE FOGO NO BRASIL?
Arma de fogo - Foto: Freepik.com

Olá, pessoal!

Nas quintas-feiras compartilho com vocês informações sobre temas que podem ser úteis à população como um todo.

Aproveitando que semana passada eu estava analisando inquéritos sobre comércio ilegal de armas de fogo, hoje vamos trazer algumas informações sobre a Lei n° 10.826/03 (Estatuto do Desarmamento ou Lei de Armas), tema que suscita dúvidas e tem gerado debate nacional.

Vamos ao texto!

Primeiro, é preciso dizer que, historicamente, nem sempre as armas tiveram essa proibição no Brasil.

Apenas a partir de 2003, com o advento da Lei nº 10.826/03 (Estatuto do Desarmamento), o porte de arma de fogo passou a ser terminantemente proibido, exceto para algumas categorias previstas na Lei.

Agora, primeiro, você deve estar se perguntando se existe diferença entre “porte” e “posse” de arma de fogo?

Sim. Existe uma grande diferença e ela é juridicamente muito importante, pois definirá o enquadramento criminal caso você esteja possuindo ou portando irregularmente.

De forma bem simples, pode-se dizer que a POSSE de arma de fogo refere-se à autorização para, em sua residência ou estabelecimento de trabalho, manter arma de fogo legalmente registrada e autorizada pelo órgão competente. Nesse caso, ressalte-se, o cidadão não pode transitar com o armamento, devendo apenas mantê-la em sua residência ou local de trabalho.

No PORTE de arma de fogo, a autorização é diferente. Nesse caso, concede-se efetivamente o direito de transitar livremente com a arma para qualquer lugar que o seu portador assim queira levar.

Simplificando: na POSSE é proibido sair com a arma para fora das dependências de sua casa ou local de trabalho; no PORTE eu posso sair armado para qualquer ambiente.

E como se faz para obter a posse de arma de fogo?

Primeiro, deve-se deixar claro que não é procedimento simples, especialmente, na atual conjuntura do Governo Federal, restritivo quanto ao acesso a armas de fogo.

Nos termos da Lei nº 10.826/2003, é obrigatório o registro de arma de fogo no órgão competente (art. 3º), devendo-se registrar no Sistema Nacional de Armas - SINARM (sistema de responsabilidade da Polícia Federal). Se for arma de uso restrito, o registro ocorrerá no âmbito do Comando do Exército (art. 3º, parágrafo único).

Os requisitos cumulativos para obtenção do registro encontram-se expostos no art. 4º do Estatuto do Desarmamento, e são os seguintes:

  1. (1) DECLARAÇÃO DA EFETIVA NECESSIDADE;
    (2) COMPROVAÇÃO DE IDONEIDADE
    , com a apresentação de certidões negativas de antecedentes criminais fornecidas pela Justiça Federal, Estadual, Militar e Eleitoral e de não estar respondendo a inquérito policial ou a processo criminal, que poderão ser fornecidas por meios eletrônicos;
    (3) OCUPAÇÃO LÍCITA
    e RESIDÊNCIA CERTA comprovadas documentalmente;
    (4) CAPACIDADE TÉCNICA
    e de APTIDÃO PSICOLÓGICA para o manuseio de arma de fogo, atestadas na forma disposta no regulamento desta Lei e devidamente comprovadas.

Uma vez atendidos esses requisitos, o SINARM expedirá autorização de compra de arma de fogo, em nome do requerente e especificamente para a arma indicada, sendo intransferível esta autorização (art. 4º, §1º da Lei nº 12.826/03).

A partir disso, conforme previsto no art. 5º do mencionado diploma legal, o certificado de Registro de Arma de Fogo tem validade em todo o território nacional e autoriza o seu proprietário a manter a arma de fogo exclusivamente no interior de sua residência ou domicílio, ou dependência desses, ou, ainda, no seu local de trabalho, desde que seja ele o titular ou o responsável legal pelo estabelecimento ou empresa.

É importante ressalvar que “Aos residentes em área rural, para os fins do disposto no caput deste artigo, considera-se residência ou domicílio toda a extensão do respectivo imóvel rural” (art. 5º, §5º da Lei 10.826/03).

Falamos até agora da posse, mas e o porte, qualquer um pode obter?

Não, nesse caso, as regras são ainda mais restritivas.

Conforme art. 6º do mencionado Estatuto, é proibido o porte de arma de fogo em todo o território nacional, salvo para os casos previstos em legislação própria e para uma lista de categorias autorizadas pela própria lei, quais sejam:

  1. (1) os integrantes das Forças Armadas;
    (2) os integrantes de órgãos de segurança pública listados na Constituição e a Força Nacional de Segurança Pública (FNSP);
    (3) os integrantes das guardas municipais, independentemente da quantidade habitantes da cidade (conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal na ADIN 5538, ADIN 5948 e ADC 38);
    (4) os agentes operacionais da Agência Brasileira de Inteligência e os agentes do Departamento de Segurança do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República;
    (5) os integrantes das polícias legislativas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal;
    (6) os integrantes do quadro efetivo dos agentes e guardas prisionais, os integrantes das escoltas de presos e as guardas portuárias;
    (7) as empresas de segurança privada e de transporte de valores;
    (8) para os integrantes das entidades de desporto legalmente constituídas, cujas atividades esportivas demandem o uso de armas de fogo, na forma do regulamento desta Lei, observando-se, no que couber, a legislação ambiental;
    (9) integrantes das Carreiras de Auditoria da Receita Federal do Brasil e de Auditoria-Fiscal do Trabalho, cargos de Auditor-Fiscal e Analista Tributário;
    (10) os tribunais do Poder Judiciário descritos no art. 92 da Constituição Federal e os Ministérios Públicos da União e dos Estados, para uso exclusivo de servidores de seus quadros pessoais que efetivamente estejam no exercício de funções de segurança.

No meu caso, enquanto Delegado de Polícia Federal, minha autorização para o porte de arma de fogo em qualquer lugar decorre do inciso II, acima mencionado, porquanto a Polícia Federal é órgão de segurança pública previsto no art. 144, inciso I, da Constituição Federal. Inclusive, exclusivamente para os integrantes da Polícia Federal, é possível portar arma de fogo dentro de aeronaves, mesmo em voos comerciais, já que somos nós os responsáveis por realizar atividades de polícia aeroportuária. 

Bem, agora que você já sabe quais os órgãos de registro e quem pode possuir ou portar arma de fogo, quero te mostrar o que acontece se você possuir ou portar esse armamento de forma irregular.

Se sua ilegalidade for na posse, sua conduta poderá resultar no crime de POSSE IRREGULAR DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO, art. 12 do Estatuto:

Art. 12. Possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, no interior de sua residência ou dependência desta, ou, ainda no seu local de trabalho, desde que seja o titular ou o responsável legal do estabelecimento ou empresa:

Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

Por sua vez, se você estiver andando com arma de fogo ou munição, o crime cometido será de PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO, previsto no art. 14 da Lei de Armas:

Art. 14. Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

Mas se a arma que você tiver em mãos for de uso restrito, nesse caso, ocorrerá crime mais grave de POSSE OU PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO (art. 16):

Art. 16. Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição de uso restrito, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar: 

Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.

Por fim, é importante ressaltar que possuir arma de fogo não é brincadeira. Trata-se de conduta de extrema responsabilidade e não pode ser banalizada, dados os riscos que esse tipo de equipamento oferece. Tanto assim que a Lei criou um crime para o caso de você não tomar os devidos cuidados. Nesse caso, você poderá incidir no crime de OMISSÃO DE CAUTELA, previsto no art. 13 da Lei n° 10.826/03:

Art. 13. Deixar de observar as cautelas necessárias para impedir que menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa portadora de deficiência mental se apodere de arma de fogo que esteja sob sua posse ou que seja de sua propriedade:

Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa.

Parágrafo único. Nas mesmas penas incorrem o proprietário ou diretor responsável de empresa de segurança e transporte de valores que deixarem de registrar ocorrência policial e de comunicar à Polícia Federal perda, furto, roubo ou outras formas de extravio de arma de fogo, acessório ou munição que estejam sob sua guarda, nas primeiras 24 (vinte quatro) horas depois de ocorrido o fato.

Assim, encerramos nossa abordagem da Lei de Armas, de modo que espero ter esclarecido um pouco o tema, especialmente do registro, requisitos, posse, porte e respectivos crimes.

Evidentemente, não era o escopo desse texto esgotar o tema nem descer às suas minúcias, mas tentei apenas oferecer um panorama geral do que diz a Lei regente do tema (o Estatuto do Desarmamento).

Então é isso, por hoje é só!

Espero que tenham gostado e até o próximo encontro.

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