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Shusaku Endo e sua ode ao inconsciente

Por Luciano Felizardo 13/02/2023 20h08
Por Luciano Felizardo 13/02/2023 20h08
Shusaku Endo e sua ode ao inconsciente
Shusaku Endo fotografado - Foto: Imagem do Pinterest

Depois de ler Murakami, eu quis ir atrás de mais coisa da literatura japonesa. Como já disse no outro artigo, sempre me senti muito atraído pela cultura Japonesa.

Acabei encontrando esse livro, Escândalo, do Shusaku Endo, e me interessei logo de cara.

A história é sobre um escritor cristão - religião minoritária no Japão, tendo só 3% da população adepta. Esse escritor alcançou grande sucesso em seu país, mas alguém se passando por ele põe isso sob ameaça, já que esse impostor transita, usando seu nome, por lugares por lugares que manchariam a imagem um escritor cristão caso flagrado, e sua imagem manchada, nesse caso, significa queda nas vendas.

O livro parece apontar na direção de uma investigação sobre um duplo, mas como o resto da obra de Shusaku - que sempre parece apontar para a fé cristã -, extrapola isso em muito. E o faz porque o protagonista, nessa busca extenuante, acaba de deparando com nuances da sua personalidade que aparentemente são novas para ele. A história então se torna uma ode ao inconsciente.

Até onde eu sei, Endo lia muito Freud e muito Jung na época em que escreveu o livro em questão, e as ideias sobre sombra e sobre inconsciente aparecem aqui de forma clara.

Lembra daquilo que eu escrevi no texto sobre She-Hulk? Bem... Em resumo, eu falei de Jung kkkkk


Jung foi um psicólogo, criador na psicologia analítica, e foi quem criou o conceito de "sombra", que definiria nossas partes renegadas, ocultas, feias, que teríamos vergonha de admitir até para nós mesmos.

Freud, por sua vez, criou o conceito de inconsciente, e aqui não dá pra explicar em detalhes, daria um texto infindável - já que a obra que dá conta disso é por demais extensa. Mas resumindo de maneira bem rasa, tudo aquilo que reprimidos, recalcamos, renegamos... bem, tudo isso segue vivo em nós. Nada disso some. Vai tudo pro inconsciente, ou seja, foge da nossa percepção, e sem que tenhamos ciência, passa a pautar várias de nossas atitudes.

Para os dois teóricos, a solução é a mesma: o autoconhecimento adquirido através de terapia.

Em Escândalo, porém, Endo leva isso ao extremo. Enquanto fala sobre o cristianismo no Japão, a relação peculiar entre essas duas culturas tão diferentes, e em meio ao debate sobre imagem-mercadoria, Endo propõe a questão: e se reprimíssemos características nossas de forma tão intensa que elas se materializassem fora de nós?

O impostor parece ser isso. A versão de si que o escritor ignora.

De alguma forma, Endo ainda desenvolve o debate de jeito que, pra mim, chega a uma aproximação dessa problemática com a forma de pensar sobre si do personagem enquanto cristão.

É uma coisa que eu sempre debati comigo mesmo. Talvez pela influência das ideias de Platão no cristianismo [e se não você não sabe o porquê, posso escrever a respeito num texto só pra explicar isso], eu percebo que - e falo isso enquanto alguém que passou 18 anos no cristianismo - há nas religiões dessa matriz uma relação muito perigosa entre seus praticantes e suas respectivas "sombras". Na minha observação empírica, o que me parece é que se é ensinado a fugir, ignorar ou repelir seus lados "ruins" ou "feios", sem que se tenha um real entendimento deles, um real enfrentamento do "pecado", um diálogo sincero com seu lado "negativo" e as raízes dele - quase como uma separação entre a própria imagem que de fato se dá e a própria imagem idealizada no mundo das ideias. 

Freud e Jung já percebiam o quanto isso é perigoso, e pelo visto, Shusaku Endo também percebeu.

Claro, o debate que ele vai fazer sobre isso ao longo do livro é melhor do que o que eu faria ao longo deste ensaio, então fica a minha recomendação. E sim, quero ir atrás de cada vez mais obras da literatura japonesa. Se quiser me indicar alguma, sinta-se à vontade.

Luciano Felizardo

Luciano é escritor e sua cabeça gira em torno disso. Nesse espaço, vai falar sobre obras de arte (filmes, livros, músicas, etc) e as reflexões que teve a partir delas. Além de, vez e outra, tentar simplificar e trazer para o nosso cotidiano alguns conceitos de filosofia, política e psicologia - área na qual vem se graduando pela Ufal.
Suas obras podem ser adquiridas no site da Editora Ipê Amarelo ou entrando em contato com ele através do Instagram (@vezeoutrapoesia).

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