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Avatar tem um debate raso?

Por Luciano Felizardo 19/01/2023 15h03
Por Luciano Felizardo 19/01/2023 15h03
Avatar tem um debate raso?
Cena de Avatar 2, filme de James Camerom - Foto: Imagem do Pinterest

Não é que eu fui ver Avatar?

Fui mais para poder ter algo a dizer aqui, é verdade, mas foi uma surpresa positiva pra mim.

A gente teve tanto "filminho de boneco" ultimamente, que mais um simplesmente não me empolgou. Só que pra não chegar a toa, fui ver o primeiro, e aí não tive como não querer ver o 2.

Eu tinha esquecido do filme. Sério. Assisti uma ou duas vezes ainda criança, e na época não me pegou. Era muito longo, muito lento pra mim. Eu gostava de anime de lutinha. Imagine.

Assim que assisti o 1 quis escrever alguma coisa a respeito, mas tive a impressão que, assim como o segundo, o debate é escancarado demais pra dar pano pra manga. Já está tudo lá.

Uma impressão que tive, e que acho que seria legal de compartilhar, é que os dois filmes são meio mal montados no geral. Digo, os cortes e o tempo dos takes é estranho, e gera até um certo desconforto. Em alguns momentos quebra até a fluidez da narrativa.

Outra coisa é que os roteiros se "aprofundam" em um ou dois personagens por filme. O resto dos participantes tem seu emocional tão superficialmente desenvolvido que eu realmente não me importava com eles como o filme parecia querer que eu me importasse.

Fora isso, é um espetáculo, né? Principalmente visual. Nesse quesito a franquia sobrou em 2010, e sobra agora. O diretor, James Camerom, é um entusiasta disso. A gente sabe. Não só essa foi a parte mais importante pra ele, a que nos captura pela beleza do olhar, como também é algo que ele busca desenvolver para fazer avançar o cinema - o cinema dele e o nosso.

Pelo que me parece, ele sentiu que nesse segundo filme tinha realmente chegado num patamar diferente. Tanto ele sentiu e soube, que nos entregou vários e vários minutos de pura contemplação. Tempo que não serve narrativamente, mas que de forma alguma parece ser desperdiçado. O "mergulho" nas águas do filme beira o literal. A imersão é profunda.

Mas falando ainda nessa parte visual, me peguei pensando se não é o primeiro Avatar que demarca o "fim do cinema", como diria os cinéfilos tristes do letterbox. Foi um filme que atraiu o tanto de gente que atraiu com um marketing todo baseado na inovação tecnológica, no cg e ao proporcionar um longa 3d que nos prometeu uma passagem pra o planeta Pandora.

Foi com ele que Camerom desbancou sua maior obra até então, Titanic, que vinha figurando há anos como maior bilheteria da história.

E é verdade que, de lá pra cá, os filmes que abusam de cgi e que ocupam os primeiros lugares nesse ranking são todos de bonequinho lutando, e só. 

Isso é meio triste quando se para pra observar. Por mais que o debate de Avatar não seja profundo nem sofisticado, é um filme com conteúdo, tem algo a dizer e uma narrativa que busca se sustentar - se consegue é outra história kkkkkkk. 

Os maiores blockbusters, depois dele, passam longe disso. É estética de computação gráfica pura e oca. Filmes de plástico, vazios, com hominhos virtuais trocando soco. [E não entenda mal, eu adorei Vingadores Ultimato e afins, mas a consciência de que um filme que você gosta não é tão bom é algo que devemos adquirir pra que o debate se torne o mais sóbrio possível].

E por falar no debate do filme, por mais que seja algo que muitas vezes eu considero primordial e que, na maioria das vezes, seja o que mais me empolga, no caso de Avatar eu realmente não tenho nada a contribuir.

No primeiro filme ainda acho que eles anteciparam a resposta pra o burburinho torpe que rola na internet hoje em dia. Vemos lá um novo planeta, para o qual parte da humanidade foi levada, supostamente pelo poder da ciência, mas na verdade é a lógica do lucro que faz tudo ali funcionar. Isso vem bem a calhar agora, com os incels e ancapinhos estupidamente achando que o Elon Musk vai salvar os habitantes da Terra da devastação ambiental os levando pra outro planeta. Primeiro, basta olhar pra administração dele do Twitter pra perder qualquer resquício dessa esperança ilusória. Depois, que bilionários não devem ser confundidos com cientistas. Cientistas trabalham pela ética científica, para o descobrimento e avanço dos conhecimentos humanos, que deveria ser um bem comum a toda nossa espécie. O CEO bilionário "trabalha" pelo seu patrimônio pessoal. Em qualquer impasse que houver entre a ética científica e a lógica do lucro, esse tipo de gente vai priorizar a lógica do lucro, lógica essa que é a responsável pela crise ambiental que assola o planeta.

Teve ainda um debate interessante - embora muito nichado - sobre como um filme que se pretendia crítico à colonização e ao neoimperialismo cai no mito do heroísmo branco.

"Mas e no segundo filme?" Olha só... eu nem sei, viu? Dá pra pensar em como a metáfora dos inimigos que agora usam corpos azuis reflete o jeito que o capitalismo se apropria das lutas legítimas pra transformá-las em produto também? Dá, mas...

Talvez por ser tão escancarada, dar ênfase a crítica é chover no molhado. É um filme sobre colonização. Isso é fato. O horror que a colonização é e foi. O desastre em todos os aspectos.

O que eu realmente não sei é se o debate dessa obra não caminha por ser tão explícito, ou pelo fato de que a colonização não é tratada por nós com a seriedade devida.

Muita gente acredita, até hoje, que o que os "descobridores" fizeram foi levar "civilidade" pra outros povos. Balela. A colonização foi uma sequência de horrores inimagináveis. Genocídio, violência em todos as suas nuances possíveis, devastação de povos, elementos da fauna e da flora, a destruição de culturas, a exponencialização do mercado escravocrata e tudo que tudo isso trouxe. Nós sentimos na pele até hoje. O racismo em suas mais diversas frentes. O assassinato da juventude negra. A demonização das religiões não-cristãs. O processo que deu origem às favelas. Tudo isso nós vemos com clareza, e tudo é fruto da colonização. 

Isso só falando de Brasil. Se levarmos nosso olhar pra fora, o horror é quase interminável.

Entretanto, tudo isso parece que foi pequeno no debate público. Tudo isso parece que ficou no passado, ou parece que tanto faz. A colonização ainda não foi entendida por nós como deveria. Aime Césaire, inclusive, dizia que os europeus toleraram o nazismo antes de sofrer com ele - colocando essas duas desgraças no mesmo patamar. [E mais uma vez: não entenda isso errado. Essa frase não vem para amenizar o que foi o nazismo, mas muitas ideias e métodos dele foram empregadas durante as colonizações sem que isso nos enoje o suficiente].

O que Avatar veio trazer que, na minha opinião, pode enriquecer essa discussão, é que a partir da recepção do público se dá a entender que, para muitos, é mais fácil sentir empatia por alienígenas azuis do que por seres humanos não-brancos.

Luciano Felizardo

Luciano é escritor e sua cabeça gira em torno disso. Nesse espaço, vai falar sobre obras de arte (filmes, livros, músicas, etc) e as reflexões que teve a partir delas. Além de, vez e outra, tentar simplificar e trazer para o nosso cotidiano alguns conceitos de filosofia, política e psicologia - área na qual vem se graduando pela Ufal.
Suas obras podem ser adquiridas no site da Editora Ipê Amarelo ou entrando em contato com ele através do Instagram (@vezeoutrapoesia).

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