Blogs

Por que Slam Dunk é tão bom?

Por Luciano Felizardo 19/12/2022 20h08
Por Luciano Felizardo 19/12/2022 20h08
Por que Slam Dunk é tão bom?
Slam Dunk, mangá de Takehiko Inoue - Foto: Imagem do Pinterest

Eu não sei vocês, mas a copa me deixou muito empolgado.

Além do óbvio, eu sou muito apaixonado por esportes. Por futebol em especial, mas amo tudo que está envolvido na prática esportiva em geral. Deve ser esse um dos motivos pra eu gostar tanto de mangás de esporte.

É um subgênero que divide muito as opiniões, e que normalmente, ou as pessoas adoram ou detestam.

Meu segundo esporte preferido é o basquete, e é desse jogo que fala o meu mangá preferido do gênero.

Eu nem preciso falar muito sobre ele. Você deve conhecer. Mas se não conhece, "Slam Dunk" é de autoria de Takehiko Inoue, publicado originalmente entre 1990 e 1996 na Weekly Shonen Jump, e da última vez que vi, era o sétimo mangá mais vendido da história.

A obra tem uma premissa bem básica. Um adolescente, Hanamichi Sakuragi, é líder de uma ganguezinha, vive se metendo em brigas e levando fora de garotas. Pelo seu porte físico, acaba que um dia uma menina lhe pergunta se ele é basquetebolista, e pra impressioná-la, ele começa a praticar o esporte.

Eu fico pasmo pensando em como mangakás de shonen conseguem nos emocionar partindo de tão pouco. Lendo, esses dias, mandei uma mensagem pra minha namorada dizendo "amor, eu tô quase chorando de novo lendo gibizinho de basquete".

E é sobre essa potência emocional que eu queria falar. Mais especificamente sobre a potência da historinha de esporte.

Quando se estuda narrativa clássica, algumas coisas têm que ser apreendidas logo no começo. Seu personagem deve ter um objetivo, uma falha e uma necessidade, e muitas vezes, quando o objetivo do protagonista é vago ou inconsistente, o público não consegue se conectar com história.

Acho que aí o gibizinho de pessoas praticando esporte ganha força: o objetivo é claro e evidente.

Por mais que as motivações mudem, os personagens querem vencer o campeonato (deve ser por isso também que muito shonen acaba, uma hora ou outra, num torneio qualquer).

[Mas óbvio, nem toda narrativa segue os moldes clássicos, logo, nem todas elas precisam seguir esses parâmetro.]

E além do objetivo e da motivação, o mangaká tem um espaço mais do que natural para explorar a falha e a necessidade do personagem. Sakuragi joga mal - já que é iniciante - e tem um temperamento muito difícil, então pra seguir evoluindo no esporte precisa treinar arduamente e aprender a controlar seus ânimos.

É o que se convencionou chamar de Jornada do Herói, né?

Se tu não sabe, eu te explico:

O mitologista e escritor Joseph Campbell, em 1949, publicou essa tese, sobre uma estrutura baseada em conexões feitas a partir de leituras e das histórias ouvidas, na qual, no fim, quase todas as narrativas de sucesso seguiam o mesmo padrão de acontecimentos.

Essa jornada foi revista por alguns outros teóricos, e há o que posso chamar de versões ou ramificações dela, como os 12 passos de Vogler e o Archplot de Robert Mckee.

É interessante notar que "Archplot" se traduziria como "jornada arquetipal", e não coincidentemente, Campbell era muito amigo de Jung, teórico da psicologia que elaborou o conceito dos "arquétipos".

Talvez a força dessas narrativas esteja aí também. Se comunica com nosso mais íntimo inconsciente, com nosso inconsciente coletivo {inclusive já tem artigo meu aqui no site falando sobre esse conceito}. Além de ser a estrutura básica que usamos para encarar as adversidades da vida, não? Conhecemos um mundo novo, com um problema novo, precisamos aprender a confrontá-lo e então voltamos à estabilidade com a sabedoria adquirida nessa batalha.

Outra teoria que me vem à mente, e que pode explicar esse reconhecimento que temos (mesmo em contextos tão diferentes do nosso, como em esportes que não praticamos), é a de Schopenhauer.

Ele foi um influente filósofo pessimista que falou sobre o "desejo", e sobre como o "desejo" é o que move a todos no mundo. Pra ele, a gente sempre escolhe um alvo para tentar atingir, e é isso que nos faz sair da inércia geral em que poderíamos cair. Porém, atingindo aquele objetivo, a conquista já se torna obsoleta, e aí vamos atrás de outra coisa. 

Nem preciso falar demais pra você perceber que é isso que acontece no esporte. Pergunte, por exemplo, a um torcedor do São Paulo, se ele ainda está feliz por ter ganhado o Brasileirão de 2008. Ou pra um torcedor do Palmeiras se já foram suficientes as taças libertadores, se ele não vai ficar arrasado por dias, caso sei lá, esse ano o time vá para a final e perca.

Enfim, acho interessante perceber quanta coisa a gente pode pensar a partir de um mangá aparentemente tão simples. Volto a dizer o que sempre ouço o Dr. Alexandre Linck repetir em seus vídeos: é necessário que nós qualifiquemos o debate.

Fica aqui minha indicação de Slam Dunk - embora eu ache que nem seja necessário indicar. E no mais... leia gibizinho, é muito bom.

Luciano Felizardo

Luciano é escritor e sua cabeça gira em torno disso. Nesse espaço, vai falar sobre obras de arte (filmes, livros, músicas, etc) e as reflexões que teve a partir delas. Além de, vez e outra, tentar simplificar e trazer para o nosso cotidiano alguns conceitos de filosofia, política e psicologia - área na qual vem se graduando pela Ufal.
Suas obras podem ser adquiridas no site da Editora Ipê Amarelo ou entrando em contato com ele através do Instagram (@vezeoutrapoesia).

Ver todos os posts