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Crianças em situação de rua: personagens de uma visão periférica. Até quando?

Por Niel Antonio 25/08/2015 02h02
Por Niel Antonio 25/08/2015 02h02
Crianças em situação de rua: personagens de uma visão periférica. Até quando?
Foto: Niel Antonio
Já passava das 13 horas, quando o ônibus que seguia para a parte nobre de Maceió parou, após solicitação de alguns passageiros, nas proximidades de uma das praças mais conhecidas da cidade, a então Praça Centenário, no bairro Farol. Enquanto os viajantes desciam pela porta traseira, três crianças muito apressadas subiam os degraus do veículo pela mesma porta, como se estivessem fugindo de algo, de alguém. A porta foi fechada pelo motorista, mas quase prendeu um dos garotos, que reclamou em alto e bom som:

- Ôh, motorista, tenha cuidado, porque a porta quase me prendeu. Não é assim, não, véi!

Eram três meninos pequenos, que vestiam camisas de adultos e aparentavam ter idades de 9 a 11 anos. Dois com cabelos crespos e um do cabelo liso descolorido nas pontas. Sentaram no piso do ônibus, com os pés na escadaria mesmo, trocaram algumas ideias e, logo após, permaneceram calados por algum tempo. Os passageiros não ficaram assustados, porém estavam atentos a qualquer movimento dos menores.

O sol estava forte, seus raios ultrapassavam os vidros do transporte e tocavam o rosto de cada criança vista com indiferença por alguns. Mas parecia não incomodá-los. Havia algo estranho, porque eles estavam atentos, amedrontados com o que ocorrera há pouco, mas, segundos depois, já estavam cochilando, encostados na base dos apoios do transporte coletivo.

Abriram os olhos. O ônibus já estava um pouco distante do local onde um deles quase foi imprensado na porta. Não tinham mais receio, nem medo. Do nada, levantaram suas camisas e começaram a mostrar, uns para os outros, o que conseguiram furtar de alguma loja ou supermercado do bairro Farol. Haviam “conquistado” desodorante, sabonete em líquido, uma calça e uma bermuda femininas, dentre outros produtos que ficaram guardados, ainda em contato com a pele. As etiquetas saltavam das roupas, a cada vez que os materiais eram apresentados como troféus. A partir daí os passageiros entenderam o porquê de as camisas serem tão grandes: eram necessárias para esconder os frutos do roubo/furto cometido naquela tarde escaldante.

O ônibus para, um dos garotos aproveita o movimento natural dos passageiros, desce e não regressa ao transporte. Agora a dupla tinha que viajar sozinha.

Até então eram apenas menores que haviam entrado no ônibus e aparentavam não ter tomado banho naquele dia, mas agora já representavam ameaça, porque poderiam estar armados. De certo modo, um deles estava armado, mas era uma arma de autodestruição - um cachimbo para o uso do crack, que foi retirado de dentro daquela imensidão de tecido, colocado na boca de um, para um “trago”, e passado para a boca do outro.

Que cena difícil de ver!

Já com vistas para o mar de Jatiúca, vagam duas cadeiras, em lugares diferentes. Um dos jovens senta bem próximo a mim, retira um produto de dentro daquele “roupósito” e pergunta:

- Moço, o que é isso?

Olhei a embalagem.

- É um sabonete em líquido - respondi.

Era o momento certo para abrir um diálogo, mas, repentinamente, o garoto fica em silêncio e volta os olhos para o mar, com a cabeça encostada na janela. Parecia sentir frio.
 

Insisti.

- Ei, boy, você já almoçou hoje?
- Não, tô com muita fome.
- Eu tenho pipoca aqui na mochila. Você aceita?

Ele balançou a cabeça, confirmando que sim, e pegou o pacote de pipoca.

- Ei, véy, que massa! Manda aê, doido! – gritou, do outro lado, o mais jovem.

O que disse estar com fome arremessou o saco de pipoca em direção ao amigo e não quis comer, enquanto que o outro lambeu até os dedos. Imprevisíveis.

Atônitas, algumas pessoas ficaram sem entender o motivo de eu ter dado crédito aos garotos. Curiosas, observavam de olhos arregalados. De fato, uma atitude dessas é incomum, uma vez que a violência amedronta a população. Mas confesso que, naquele momento, não enxerguei dois ou três infratores, mas crianças. Apenas crianças que deveriam estar na escola, ter moradia digna e roupas de acordo com suas idades.

É verdade que eles cometeram um ato reprovável, mas repreender ou dar conselhos naquele momento, quando os efeitos da droga se manifestavam naqueles pequenos, não seria conveniente. Eles precisam é de cuidados, de alguém com sensibilidade e amor ao próximo, porque crianças em situação de rua são uma realidade em nossa Capital alagoana: estão fora do seio familiar, fora das escolas e parecem estar esquecidas pelo poder público.

O meu ponto de parada estava próximo. Levantei.

Um dos garotos olha para trás e fica a me observar. Ainda estava com fome, imagino.

- Só não te dou mais comida, porque só tinha aquele saco de pipoca aqui.
- Sem problema. Valeu por aquele que você me deu!

Os garotos seguiram seu destino, mas fiquei pensando como serão suas trajetórias, se não houver uma intervenção significativa em suas vidas.

Até quando?
 

Niel Antonio

Jornalista formado pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL), acredita numa comunicação social e ambiental com potencial transformador. Produz conteúdo no silêncio e também ao som de uma boa MPB. Nas entrelinhas das áreas do Jornalismo, busca desafios de produção diversos, como experiência a ser acrescentada aos quatro anos de bacharelado.

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